Mercado de Trabalho

Empreendedores apostam no mercado de saúde mental

Você S/A | 01/05/21 - 10h02
Foto: Você S/A

Em 2016, o português Rui Brandão resolveu largar a carreira de médico e uma residência como cirurgião vascular nos Estados Unidos para empreender no ramo de saúde mental no Brasil. O gatilho para tomar a decisão rolou um ano antes: a mãe dele, que morava em Portugal, tinha recebido um diagnóstico de burnout, condição causada por excesso de trabalho, e que leva ao esgotamento físico e emocional. 

Rui, que havia cursado uma parte da graduação no Brasil, entendia que o país era mais aberto a inovações na área da saúde do que a Europa. Com apenas 26 anos, fez as malas e voltou ao país disposto a criar uma startup que ajudasse pessoas como sua mãe. Nascia assim a Zenklub, uma plataforma de terapia online com preços acessíveis, a partir de R$ 80.

Para quem não conhece, funciona como um Uber de psicólogos. Você entra no site, escolhe um profissional (que publica seus preços, suas especialidades e seus horários disponíveis) e faz a consulta por vídeo, dentro da plataforma. Nos cinco anos de vida da empresa, 1,5 milhão de pessoas passaram pelo divã virtual da Zenklub. Hoje, são mais de 800 profissionais de saúde cadastrados na plataforma e 50 mil consultas realizadas todos os meses.

De acordo com a Distrito, uma aceleradora de pequenas empresas, existem hoje pelo menos 30 startups voltadas para a saúde mental em atividade no Brasil – vamos ver algumas delas ao longo desta reportagem. “Os transtornos psicológicos por muito tempo foram estigmatizados. Mas, com o passar do tempo, as doenças mentais tomaram uma proporção gigantesca. É uma oportunidade para os empreendedores”, diz Rodrigo Demarch, diretor de Inovação do Hospital Albert Einstein.

Gigantesca mesmo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 300 milhões de pessoas sofrem com depressão ao redor do mundo. Outros 260 milhões, com ansiedade. Só no Brasil são 12 milhões de depressivos e outros 18,6 milhões de ansiosos. Isso dá, respectivamente, 7% e 11% da população adulta, com mais de 15 anos.

Dez anos em um

Em outubro de 2020, a OMS publicou um levantamento indicando que 93% dos serviços de saúde mental no mundo foram prejudicados ou interrompidos por conta da pandemia. Isso criou uma janela de oportunidade inédita para as terapias online.

A americana Talkspace, uma das primeiras empresas desse ramo, viu sua receita dobrar no ano passado, de US$ 27,2 milhões para US$ 50,5 milhões. O próximo passo da companhia, fundada em 2012, é se tornar a primeira empresa de saúde mental a vender ações na bolsa americana. O IPO, ou seja, a estreia na bolsa, deve acontecer neste ano, e o preço somado de todas as ações da companhia pode ficar em US$ 1,4 bilhão.

O apetite dos fundos de investimento por essas empresas também nunca esteve tão alto. Dados do PitchBook, um instituto de pesquisas, indicam que as startups de saúde mental americanas levantaram quase US$ 1,6 bilhão em investimentos em 2020. O dobro de 2019.

As torneiras estão abertas no Brasil também. Segundo um levantamento da Distrito, no ano passado as startups do ramo amealharam US$ 4,68 milhões em investimentos – 150% a mais do que em 2019, quando elas receberam US$ 1,85 milhão. “Estudos já apontavam que o mercado de serviços para saúde mental e bem-estar iria despontar nas próximas décadas. O ponto é que a pandemia acelerou o que iria acontecer daqui a cinco, dez anos”, afirma Sheila Mittelstaedt, sócia da consultoria KPMG.

Prova disso é que boa parte da engorda da brasileira Zenklub aconteceu justamente no ano passado. Em 2020, o número de clientes da startup disparou 515%. Para acompanhar o ritmo de crescimento, o time de funcionários saltou de 28 para 80 pessoas. “A pandemia educou o mercado sobre a urgência de olhar para a saúde mental”, diz Rui Brandão.

O interesse de grandes investidores pela empresa do empreendedor também aumentou. Em maio de 2020, a Zenklub recebeu um aporte de R$ 16,5 milhões do Indico Capital Partners, maior fundo privado de venture capital de Portugal (um ano antes, a Indico já havia sido responsável pelo primeiro aporte da Zenklub, de R$ 2,5 milhões). E a cereja do bolo ainda estava por vir. Em fevereiro de 2021, a startup recebeu o maior investimento da sua história: R$ 45 milhões, liderado pela gestora de investimentos brasileira SK Tarpon – ou seja, bem mais do que todo o setor recebeu em 2020.

História recente

O conceito de terapia online não é novo. Nos anos 1990, já se debatia o uso do telefone para atendimentos psicológicos. Entre 1995 e 1998, o psicólogo americano David Sommers ficou famoso por atender pacientes via chat.