Saúde

Lipídeo produzido pelo organismo ajuda a controlar a glicose no sangue

Agência Fapesp | 29/08/19 - 12h09
Camundongos obesos tratados com a substância conseguiram controlar de forma mais eficaz a glicemia sanguínea quando desafiados com uma sobrecarga de açúcar | Jcomp / Freepik

Pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e Alemanha descobriram que uma substância produzida pelo tecido adiposo marrom quando o corpo é submetido a baixas temperaturas – o lipídeo 12-HEPE – ajuda a reduzir os níveis de glicose no sangue. Os resultados dos experimentos com camundongos abrem caminho para novos tratamentos contra o diabetes.

O grupo também observou, em pacientes humanos, que um medicamento usado no tratamento de disfunção urinária aumenta a liberação desse lipídeo na corrente sanguínea.

O estudo, publicado na revista Cell Metabolism, tem como primeiro autor Luiz Osório Leiria, pesquisador do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp). 

O trabalho foi desenvolvido como parte de seu pós-doutorado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, durante estágio de pesquisa no Joslin Diabetes Center, da Harvard Medical School, nos Estados Unidos, com apoio da FAPESP e da American Diabetes Association. Leiria conta, atualmente, com Auxílio à Pesquisa da FAPESP na modalidade Apoio a Jovens Pesquisadores.

Os dois tipos mais importantes de tecido adiposo no nosso organismo são o branco, cuja função é acumular gordura quando existe excedente energético, e o tecido adiposo marrom, que atua principalmente na regulação térmica do organismo por meio da produção de calor. Expostos ao frio, o tecido adiposo marrom produz diversos lipídeos. Um deles é o 12-HEPE, cuja função era desconhecida. O grupo descobriu que camundongos obesos tratados com o 12-HEPE apresentaram maior eficiência em reduzir a glicemia sanguínea após uma injeção de solução concentrada de glicose, quando comparados com os camundongos que não receberam o lipídeo.

Os pesquisadores mostraram que esse efeito benéfico do lipídeo sobre a tolerância à glicose dos animais obesos se deu pela capacidade do 12-HEPE em promover a captação de glicose tanto no músculo como no próprio tecido adiposo marrom.

Estudos realizados em pacientes reforçaram um possível papel fisiológico desse lipídeo. Os voluntários foram separados em três grupos: magros e saudáveis, com sobrepeso e obesos. Análises do sangue desses pacientes mostraram que a quantidade de 12-HEPE nas pessoas magras e saudáveis é maior do que no sangue dos pacientes com sobrepeso e muito maior do que no sangue dos obesos.

Isso pode ser explicado pelo fato de que obesos têm menos massa de tecido adiposo marrom do que pessoas magras. A ausência de gordura marrom no obeso, inclusive, pode ser responsável pela obesidade e até pelo maior risco de diabetes nesses indivíduos.

Além disso, em testes com células humanas, o 12-HEPE aumentou a captação de glicose em células adiposas. Isso significa que, além de o lipídeo 12-HEPE contribuir para o processo de adaptação ao frio, existe a possibilidade de que a drástica redução dos seus níveis na corrente sanguínea de indivíduos obesos contribua, ao menos parcialmente, para o aumento da glicose no sangue.

A descoberta abre caminho para o desenvolvimento de novos medicamentos contra o diabetes e amplia a possibilidade de novos tratamentos com drogas já disponíveis no mercado.

Durante o estudo, um outro conjunto de voluntários magros e saudáveis recebeu doses de mirabegron, medicamento indicado para o tratamento de uma disfunção urinária conhecida como bexiga hiperativa, mas que também tem a capacidade de ativar o tecido adiposo marrom. Um outro grupo (controle) tomou apenas placebo.

Os pacientes que receberam a droga tiveram níveis mais elevados de 12-HEPE no sangue. O resultado sugere que a droga possa, no futuro, ser prescrita para tratamento do diabetes.

“Atualmente, o mirabegron exerce uma série de efeitos, alguns não tão desejáveis. Ele promove a liberação de vários outros lipídeos, portanto, sua ação não é tão específica para a redução da glicose. Um lipídeo do tipo ômega-3 como o 12-HEPE teria um perfil toxicológico bem mais desejável”, explicou.

Segundo o pesquisador, um grupo norte-americano realiza atualmente testes sobre os efeitos de doses menores do medicamento sobre os níveis de glicose.

O próximo passo é descobrir a qual receptor o 12-HEPE se liga para promover a captação de glicose. Tal conhecimento permitirá o desenvolvimento de novas moléculas que estimulem esse receptor.

O artigo 12-Lipoxygenase Regulates Cold Adaptation and Glucose Metabolism by Producing the Omega-3 Lipid 12-HEPE from Brown Fat (doi: 10.1016/j.cmet.2019.07.001), de Luiz Osório Leiria, Chih-Hao Wang, Matthew D. Lynes, Kunyan Yang, Farnaz Shamsi, Mari Sato, Satoru Sugimoto, Emily Y. Chen, Valerie Bussberg, Niven R. Narain, Brian E.Sansbury, Justin Darcy, Tian Lian Huang, Sean D.Kodani, Masaji Sakaguchi, Andréa L. Rocha, Tim J. Schulz, Alexander Bartelt, Gökhan S. Hotamisligil, Michael F. Hirshman, Klausvan Leyen, Laurie J. Goodyear, Matthias Blüher, Aaron M. Cypess, Michael A. Kiebish, Matthew Spite e Yu-Hua Tseng, pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1550413119303742.
 


Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui