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Frio, sede e fome: alagoano relata angústia para fugir da guerra na Ucrânia

Paulo Victor Malta | 03/03/22 - 13h10
Joanderson Normandes e o grupo de brasileiro fugiram da guerra no país europeu | Joanderson Normandes / Arquivo pessoal

Enquanto o mundo assiste às imagens aterrorizantes do ataque russo sobre a Ucrânia, milhares de pessoas tentam fugir da área de guerra em busca de paz e segurança. Após o retorno do jogador alagoano Pedrinho, nesta semana, um outro atleta maceioense conseguiu deixar o país ucraniano na última segunda-feira, 28. Joanderson Normandes dos Santos, de 20 anos, relatou ao TNH1 os momentos de aflição e a saga angustiante ao atravessar mais de 1.600 km entre Kharviv, onde estava morando, até aguardar nesta quinta-feira, 3, um voo no aeroporto de Budapeste, na Hungria. 

Tudo começou quando o ex-jogador do ASA (Agremiação Sportiva Arapiraquense) acertou contrato para defender a camisa do FC Volchansk, equipe da região leste da Ucrânia. A viagem de Alagoas para o país europeu aconteceu no dia 16 de fevereiro deste ano. "Tinha um tempo que eu estava acertando com meu empresário. Quando eu saí de Maceió para viajar, já estava acompanhando as coisas pela televisão e pelas redes sociais, mas eu achava que não ia ter guerra nenhuma", comentou Joanderson. 

A Rússia, sob ordens do presidente Vladimir Putin, iniciou os ataques terrestres, marítimos e aéreos na madrugada da quinta-feira, 24. "Foi muito difícil tudo que passamos. Tudo começou na quinta-feira, já acordamos com os bombardeios. Já acordamos desesperados, comecei a chorar e ligar para minha família e meus filhos. Quando foi chegando no final da tarde, começou a ficar mais próximo o barulho das bombas. A gente passou dois dias nessa situação, subindo e descendo escadas porque tinha um bunker (estrutura de proteção anti-bombas) no prédio onde a gente morava. Foram dois dias nessa situação subindo e descendo escadas. Foi quando recebemos uma mensagem da embaixada, que ia ter um trem e a gente entrou em contato com o diretor do clube e ele nos levou para a estação".

Enquanto não deixava o apartamento em que residia em Kharviv, o alagoano conseguiu registrar imagens de veículos blindados militares transitando pelas ruas da cidade. Dois vídeos também mostram o terror da guerra: em um é possível ver a fumaça após um ataque e em outro dá para ouvir o estrondo provocado pelos bombardeios russos na madrugada. Assista abaixo:

"From Brazil": camisa para evitar recrutamento e hostilidades - Antes de embarcar para Kiev, os brasileiros foram orientados por uma pessoa ligada à ONU (Organização das Nações Unidas) para que utilizassem roupas com a identificação do Brasil. "Essa camisa From Brazil é porque recebemos mensagem de uma mulher da ONU pedindo para fazermos isso, colarmos cartazes, assinarmos na nossas costas, porque além dos russos na cidade em Kharviv, estava tendo os milicianos que estavam recrutando pessoas para a guerra ser a pulso. A gente estava mostrando que era brasileiro para não precisar passar por isso". 


Foto: Joanderson Normandes / Arquivo pessoal

Trens superlotados - "Esse vídeo do monte de gente foi no metrô, para você ter ideia de como estava para poder entrar no trem. Nossa sorte foi coisa de Deus, decidimos que não íamos pegar mais o trem por causa dessa loucura toda, fomos para longe, mais para o canto e do nada chegou outro vagão e abriu a porta. A gente entrou. A gente saiu na última hora, na hora certa, coisa de Deus. Quando a gente saiu de lá, começaram os ataques. A gente chegou em Kiev, já estava rolando os ataques em Kharviv", assustou-se o maceioense. 

Sirene de guerra - O grupo de brasileiros começou a passar por novos momentos de pânico assim que chegou na capital ucraniana. "Graças a Deus conseguimos entrar (no trem), mas foi quando piorou as coisas. A gente pegou 7h de viagem para Kiev, onde a tensão era maior. Chegando lá, a sirene da cidade tocou. Teve que apagar tudo no trem, não podia mexer no celular. Passamos 9h parados. Nisso tudo estávamos com fome, com sede. A gente tinha comida, tinha salgadinho, biscoito, mas não podia comer tudo na mesma hora. A gente abria um salgadinho agora, depois de duas horas comíamos outra coisa", relatou Joanderson. 

Além da guerra, o inverno europeu: "Pensei que ia morrer de frio" - Os embates de ataque x defesa entre Rússia e Ucrânia não são a única preocupação de quem tenta buscar abrigo na guerra. Os refugiados também sofrem com as baixas temperaturas, que variam em momentos até abaixo de 0ºC, isso sem contar a sensação términa, as longas horas de espera entre as viagens e as filas nas fronteiras. Após sair de Kiev e pegar mais longas 8 horas de viagem rumo Lviv, no oeste ucraniano, o grupo reabasteceu. 

"A gente já estava com sede, a água já tinha acabado fazia horas, quando pegamos esse trem e chegamos em Lviv. Lá já tinha um pessoal do clube que estávamos jogando nos esperando para nos dar apoio. O pessoal já tinha contato com a embaixada, também aguardando a nossa chegada. Primeiro paramos, compramos comida, água, o pessoal da embaixada nos ajudou. Chegamos meia-noite na fronteira e conseguimos atravessar só às 9h30 da manhã. Passamos fome, frio, sede, lá na fila estava complicado porque o pessoal estava querendo roubar a gente. Estava muito frio. Para você ter uma ideia, teve uma menina lá que teve hipotermia. Demorou demais para a gente poder atravessar", relembrou. 

"Tinha hora que eu falava: 'Meu Deus, estou sentindo que vou morrer de tanto frio', quando estava lá parado na fila", desabafou o jogador alagoano Joanderson Normandes. 


Foto: Joanderson Normandes / Arquivo pessoal

Abrigo brasileiro e esperança - Após conseguir finalmente atravessar a fronteira entre a Ucrânia e Eslováquia na segunda-feira, 28, os brasileiros buscaram abrigo na casa da brasileira Gisele Chamorra, que mora há três anos em Košice, cidade ao leste do país. "Um dos meninos nós conhecemos a família dele em Piracicaba. Então a gente já sabia que ele estava na Ucrânia antes da guerra. E quando a guerra estourou em si a gente começou um contato quase diário com a família, pra auxiliar nesse resgate", contou Gisele ao g1.

Mais distante da guerra no país vizinho, o grupo pôde enfim ficar menos tenso. "Quando a gente atravessou, já fomos para a casa de um casal que nos recebeu super bem. Pudemos tomar banho. Eu mesmo que só estava com a roupa do couro, pude tomar banho e pegar uma roupa deles", disse Joanderson. 

"Eles estão bem, chegaram, estão dormindo, ficaram sem dormir durante três dias. Eles tiveram praticamente hipotermia na fila porque passaram 7 horas de madrugada agora aqui na fronteira, então eles estavam com muito frio, sede, fome. Extremamente abatidos, mas muito felizes. Eles são muito alto astral", afirmou Gisele em entrevista ao g1 na segunda-feira. 


Foto: Reprodução / EPTV

Em seguida, os jovens conseguiram auxílio da embaixada brasileira na Eslováquia, mas só partiram para a Hungria depois de uma ajuda extra. "A embaixada lá todo dia nos levava para almoçar, deu o suporte, conversava com a gente. Mas estava demorando para o governo (Federal) ver a situação do avião. Aí recebemos uma doação anônima e agora estamos viajando. Ainda existem pessoas boas", ressaltou Normandes.

O alagoano e o grupo de brasileiros agora estão no aeroporto de Budapeste, na Hungria, com passagem marcada para retornar a São Paulo na madrugada desta sexta-feira, 4. Só após chegar na capital paulista é que Joanderson vai poder embarcar e voltar para casa, em Maceió. 


Trajeto feito pelo grupo de brasileiros para fugir da guerra na Ucrânia (Foto: Google Maps)

Enquanto isso, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, enviou nesta quinta-feira, 3, representantes do governo a Belarus, país aliado da Rússia, para tentar pela segunda vez negociar um cessar-fogo com o membros do governo de Vladimir Putin após o oitavo dia de guerra. De acordo com levantamento feito pela agência de refugiados da ONU (ACNUR), mais de 1 milhão de pessoas já saíram da Ucrânia desde o início dos conflitos. Milhares de mortos e feridos, ainda sem número exato, foram divulgados em relatos de ambos os governos.